Hoje, graças a vários fatores, o ser humano está vivendo mais. Os avanços da medicina, o saneamento básico, o desenvolvimento da nutrição e a erradicação de muitas doenças, somam um conjunto de elementos que proporcionou um salto na nossa longevidade. E isso vem criando uma distinção entre os idosos, pois há os que se sentem cansados, considerando que já fizeram tudo o que estivesse ao seu alcance, e há aqueles que, ainda cheios de vitalidade e de alegria de viver, encontram no cotidiano a energia necessária para redobrar o propósito em suas vidas.
A questão é manter-se em atividade constante, sendo sempre o protagonista da própria vida, não aceitando a passividade. É claro que para isso é preciso chegar à maturidade com saúde física e mental – uma condição indispensável para a autonomia e o protagonismo. Eu, no alvorecer dos meus oitenta e quatro anos, a completar neste mês de maio, me considero um exemplo vivo do que estou falando. Eu não sou idoso nem velho, sou antigo. Antigo porque ao longo do tempo fui acumulando experiências, vivências, que me proporcionaram a oportunidade de participar ativamente da minha vida, da minha família, da minha profissão, do meu círculo de amigos e colegas, e também das atividades voluntárias que exerço com muita alegria, contribuindo para o aprimoramento geral e estou sempre pronto para servir. Embora não tenha sido escoteiro, o lema deles me serve de farol: Sempre alerta!
A alegria de viver é outro fator preponderante; a consciência de que nossa existência é eterna, e que ao desencarnarmos nossa vida continuará em outra dimensão – isso também alimenta essa certeza.
No meu caso particular, tenho alguns componentes que me entusiasmam e me estimulam: sou casado há 61 anos com uma mulher extraordinária, a Rosaria, que se constituiu no farol que ilumina minha vida, construindo comigo nossa família, composta por sete filhas, doze netos, e, em breve, serei bisavô.
Minhas filhas são todas formadas e exercem suas profissões com muita competência e dedicação – elas são também mais um fator de alegria e de orgulho para mim, pois enxergo a responsabilidade com que cumprem seus trabalhos e a forma como educam seus filhos dentro do padrão que aprenderam em nosso lar, dando-nos fôlego para continuar participando da vida.
Aprendi, desde cedo, a responsabilidade que me cabe pelos meus atos, tornando-me sempre protagonista em meus acertos e também nos meus erros – que infelizmente foram muitos, mas me ensinaram a viver. Adotei como lema, o dístico que identifica o estado de São Paulo: Non ducor, duco (conduzo, não sou conduzido).
A minha longevidade se deve também ao fato de saber que ainda tenho muito a contribuir, e ainda trago algumas pendências que me cabem resolver nesta encarnação. Como foram criadas nesta encarnação, serão resolvidas nesta encarnação.
Outro dia, li um poema do escritor e teólogo Ricardo Gondim, Tempo que foge!, que aqui reproduzo em parte, e assino embaixo, com alegria:
“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
(...)
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembleias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos à limpo”. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.
( ... )
Já não tenho tempo para ficar dando explicação aos medianos se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca será perda de tempo.
Soli Deo Gloria (Glória somente a Deus)”.