Dedico o texto "Filhos das Estrelas" ao meu inestimável irmão Pedro Juk, cujo
nome é reconhecido e nunca será esquecido.
Jorge Antônio Vieira Gonçalves
É possível explorar o universo de maneiras que seriam inimagináveis algumas
décadas atrás. Podemos visualizar galáxias distantes que se encontram a
milhares de anos-luz de distância, analisar a composição química de planetas
remotos e até mesmo acompanhar o nascimento e a morte de estrelas.
Descobrimos que a infinidade de pontos brilhantes no céu noturno são, na
verdade, sóis gigantes que possivelmente abrigam seus próprios planetas.
A Terra realiza uma rotação completa em torno de seu próprio eixo a cada 24
horas, resultando na sucessão dos dias e das noites. Além disso, ela orbita o Sol
anualmente e a inclinação do eixo de 23,5˚ em relação ao plano orbital é
responsável pelas estações. O Sol não permanece fixo em relação às estrelas.
Diariamente, ele parece se mover do Leste para o Oeste, mas também se move
anualmente no céu, de oeste para leste. Por estarem a grandes distâncias da
Terra, as estrelas parecem se mover juntas, mantendo suas posições relativas.
Mas na verdade não são as estrelas que se movem, e sim a Terra que gira em
torno de seu eixo. O movimento de rotação da Terra é responsável pelo aparente
movimento das estrelas no céu noturno.
As estrelas visíveis estão tão distantes que parecem estar em repouso. Vistas
da Terra, as estrelas parecem fixadas na superfície de uma esfera cristalina,
girando constantemente em torno do globo terrestre, hoje sabemos que esse
modelo é imaginário. Tal aparente posição fixa das estrelas é devido à enorme
distância entre elas e a Terra, o que torna seus movimentos aparentes
insignificantes ao longo do tempo, sem mudanças abruptas de uma noite para
outra ou mesmo de um ano para outro. Entretanto o firmamento inteiro dessas
estrelas “fixas” parece se mover do Leste para o Oeste, em torno de um ponto
específico do céu que é sempre localizado ao norte, conhecido como Polo Norte
Celeste.
Já os planetas visíveis a olho nu do sistema solar, que são Mercúrio, Vênus,
Marte, Júpiter e Saturno, devido à sua proximidade com a Terra, é possível
observar esses planetas mudando de posição em relação às estrelas no céu
noturno em diferentes noites. Além do Sol e da Lua, os planetas, são os únicos
corpos celestes que mudam de posição em relação as estrelas. Isso acontece
porque, enquanto os planetas e a Terra se movem em órbita ao redor do sol,
nossa perspectiva em relação às estrelas muda, fazendo com que os planetas
pareçam estar em movimento em relação a elas. O céu noturno muda ao longo
do ano, e a cada noite só é possível ver uma fração das estrelas, dependendo
da posição do sol.
O estudo dos movimentos celestes exigiu milênios de pesquisa. Todas as
civilizações que prosperaram por longos períodos compreenderam a importância
de observar o céu. Nossos antepassados enfrentaram o desafio de compreender
a complexidade do cosmo e desenvolveram métodos para dar os primeiros
passos para desvendá-lo. Para reconhecer os complexos movimentos dos
corpos celestes, os antigos astrônomos agruparam as estrelas em padrões e
formaram figuras para identificá-las.
A aparente ausência de movimento das estrelas serviu de inspiração para atribuir
significado aos padrões que elas formavam, permitindo que eles
estabelecessem um sistema de orientação no céu e criassem um pano de fundo
sobre o qual os outros corpos celestes se moviam incorporando mitos e lendas
conforme cada cultura. Dessa forma, os antigos astrônomos transformaram a
confusão de centena de milhares de pontos brilhantes no céu noturno em um
sistema de coordenadas celestes, criando marcos inesquecíveis no céu, hoje
conhecidos como constelações.
Antes, as constelações eram entendidas como agrupamentos de estrelas ligadas
por linhas imaginárias para formar figuras. Atualmente, as constelações são
reconhecidas como divisões geométricas da abóbada celeste. Existem 88
constelações reconhecidas oficialmente pela União Astronômica Internacional
(IAU) desde 1922, muitas das quais têm origens que remontam as civilizações
antigas.
A maioria de nós conhece um número bem menor de constelações, agrupadas
no que chamamos de Zodíaco (ver figura 1). O Zodíaco é uma faixa composta
por doze antigas constelações que parecem envolver o céu durante o aparente
movimento anual do Sol. A Lua e os planetas também percorrem o Zodíaco, não
seguindo exatamente os mesmos caminhos. Essas constelações são Áries,
Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio,
Aquário e Peixes. O nome Zodíaco é derivado de um termo grego que significa
“círculo de pequenos animais”, embora nem toda constelação seja um animal.
Sem registros escritos, sempre haverá espaço para dúvida. Desenvolvida pelos
antigos sumérios em torno de 3500 a.C. e posteriormente adotada pelos
babilônios, assírios e acádios. A escrita cuneiforme era feita em tábuas de argila
úmida com um estilete de ponta cônica, produzindo marcas em forma de cunha,
daí o nome "cuneiforme". Esse sistema de escrita foi um grande triunfo da
civilização babilônica, pois permitiu registrar informações de forma duradoura em
tábuas de argila que podiam ser assadas e endurecidas, tornando-se
praticamente indestrutíveis.
O catálogo estelar babilônico mais famoso, conhecido como MUL.APIN, foi
encontrado em escrita cuneiforme e data de cerca de 1000 a.C. É uma das fontes
bibliográficas mais antigas da história da astronomia, fornecendo informações
valiosas sobre o Zodíaco. O catálogo divide o zodíaco em 18 constelações
(estações), que foram usadas pelos astrônomos babilônicos como um sistema
de coordenadas estrelares, uma espécie de escrita celestial, usando o céu
noturno para mapear os meses, semanas, dias e horas. Esse importante avanço
impulsionou a astronomia babilônica a um novo nível de precisão e rigor
científico, pois eles foram capazes de construir um modelo matemático do
cosmos e prever os movimentos das estrelas e dos planetas.
A natureza não é totalmente imprevisível, uma vez que podemos observar
ordem e regularidade em diversos fenômenos naturais, como a alternância entre
dia e noite, as fases da lua, as estações do ano, as órbitas dos planetas e o ciclo
de vida e morte de animais e plantas. Estes fenômenos naturais levaram ao
desenvolvimento das primeiras noções de tempo, dia e mês. A ideia de ano era
menos evidente, e apenas com o desenvolvimento da agricultura, as sociedades
antigas começaram a compreender os ciclos das estações do ano. Os nossos
ancestrais reconheceram que o movimento do sol pelo céu afetava diretamente
suas vidas, e que nosso destino e sobrevivência neste planeta estão intimamente
ligados ao sol.
Durante toda a história, a noção de passagem do tempo tem sido contemplada
com fascinação, com os dias sendo marcados pela posição do sol e pela forma
como ele se move. O conceito mais básico de mês foi estabelecido pelo tempo
que a lua leva para completar suas diferentes fases. As estações do ano são
registradas pelas estrelas e pela maneira como as constelações mudam ao
longo de um ano.
Para compreender o movimento do Sol, os astrônomos da antiguidade
observavam o céu e mapeavam as estrelas que compõem o fundo celeste, onde
o Sol parece se mover. A região central onde o Sol é visto durante todo o ano é
conhecida como zodíaco, e é composta por constelações amplamente
reconhecidas pela população em geral. As estrelas que formam as constelações
do zodíaco são visíveis durante todo o ano, independentemente do local da Terra
onde o observador esteja. No entanto, outras constelações que se encontram
mais ao norte ou ao sul da faixa do zodíaco geralmente só são visíveis se o
observador mudar progressivamente sua posição para o norte ou para o sul.
Para dissecar o conceito de Zodíaco vamos realizar um experimentoː imagine-se em um parque de diversões, sentado em um carrossel giratório, observando
diferentes referências passando diante de seus olhos, como a “constelação
carrinho de pipoca”, “constelação máquina de algodão doce”, “constelação rua”,
e muito mais. Agora, vamos transformar essa experiência para o nosso sistema
solar, onde a Terra está em seu lugar no carrossel e as estrelas formam o pano
de fundo. Enquanto a Terra orbita em torno do Sol, diferentes regiões do céu
noturno tornam-se visíveis, assim como as referências em um carrossel. Podemos
dividir a órbita da Terra em doze setores e escolher um padrão de estrelas para
cada setor, criando uma constelação distinta para cada período do ano,
conhecida como zodíaco.
Durante um ano, o Sol percorre um caminho imaginário através das constelações
do zodíaco.
Do ponto de vista da Terra, parece que o Sol se move ao redor do
nosso planeta em relação às estrelas de fundo. Esse caminho anual que o sol
percorre é chamado de eclíptica, tem origem no latim "ecliptica", que por sua vez
é derivada do grego antigo "ekleipsis", em referência aos eclipses solares e
lunares que podem ocorrer quando a Lua passa pela eclíptica.
Imaginemos o céu noturno como uma esfera celeste ao redor da Terra. Se
projetarmos o equador terrestre na esfera celeste e o chamarmos de equador
celeste, podemos observar que o Polo Norte celeste está situado acima do Polo
Norte terrestre. Durante metade do ano, o Sol parece estar acima do equador
celeste e, na outra metade, abaixo dele. É muito importante observar que a
"avenida" imaginária chamada de eclíptica, apresenta uma inclinação de cerca
de 23,5˚ em relação ao equador celeste.
Até o começo do século XVI, a explicação para o movimento celeste ainda
seguia uma tradição que tinha origem nos filósofos clássicos do século VI a.C.
O Cosmo era geocêntrico e finito delimitado por esferas cristalinas. Essas
esferas giravam uma dentro da outra e transportavam consigo os planetas.
Podemos desenhar linhas, polos e círculos para ajudar a compreender os
movimentos celestes. Ao longo da história da civilização, quatro pontos notáveis
foram localizados na "eclíptica" por meio das constelações zodiacais.
Esses
pontos incluem dois pontos equinociais, representados pelas constelações de
Áries e Libra, e dois pontos solsticiais, representados pelas constelações de
Câncer e Capricórnio
Os dois pontos solsticiais marcam os limites máximos do afastamento aparente
do Sol da linha imaginária do equador em direção ao norte, durante o solstício
de verão, e em direção ao sul, durante o solstício de inverno. Eles definem os
Trópicos de Câncer (Coluna B) e Capricórnio (Coluna J), respectivamente.
Esses paralelos receberam seus nomes porque os astrônomos, há centenas de
anos, observaram que o sol estava posicionado nas constelações zodiacais de
Câncer no hemisfério norte e Capricórnio no hemisfério sul durante os solstícios
de verão.
A palavra solstício tem origem no latim “solstitium”, que significa "parada do Sol",
e é o momento exato, com dia e hora marcados, em que começa o verão ou o
inverno, a depender do hemisfério de observação. É a época do ano em que o
Sol incide com maior intensidade em um dos dois hemisférios, resultando em
dias e noites diferentes.
Durante o solstício de verão, ocorre o dia mais longo do ano, o sol atinge sua
maior altitude em relação à perspectiva terrestre, fazendo com que os dias se
tornem mais longos. Seis meses depois, durante o solstício de inverno, o sol
atinge sua menor altitude, tornando o dia mais curto do ano.
Os dois pontos equinociais são marcados pelo cruzamento da eclíptica com o
Equador Celeste. Durante o movimento aparente do Sol pela eclíptica, há um
momento em que o sol cruza o Equador Celeste e passa pelo ponto
vernal (coluna de Áries), indo do Hemisfério Sul para o Norte. Esse fenômeno é
conhecido como equinócio de Outono para o Sul e primavera para o Hemisfério
Norte. O outro ponto (coluna de Libra) de cruzamento ocorre no lado oposto ao
ponto vernal, quando o Sol cruza o Equador Celeste indo do Hemisfério Norte
para o Sul.
O equinócio é o momento exato, com dia e hora marcados, em que a primavera
ou o outono começa, depende do hemisfério de observação. A palavra vem do
latim, que significa "noite igual", em referência à igualdade de duração dos
períodos diurno e noturno em todo o globo.
Na antiga Babilônia, o ano novo começava no mês chamado de Nissan, que era
identificado pela primeira Lua Nova após o equinócio da primavera. Este primeiro
mês anunciava o início do Festival Akitu, considerado um grande evento do
calendário babilônico. Em cerca de 2.166 a.C., a constelação de Áries (ponto
vernal) marcava a posição dos equinócios da primavera, o que indicava o início
da estação no hemisfério norte. Nossos antepassados perceberam que as
mudanças celestes eram um reflexo das mudanças significativas que ocorriam
na Terra. Eles acreditavam que o surgimento dessas constelações era
responsável pelo brotamento das sementes.
Para compreender plenamente a simbologia da Maçonaria é essencial ter
conhecimentos desses conceitos apresentados, uma vez que a ordem tem uma
conexão simbólica forte com a astronomia, como pode ser percebido na maioria
de seus símbolos. Essa relação é especialmente verificada no Rito Escocês
Antigo e Aceito, um dos ritos maçônicos mais populares e praticados em todo o
mundo. Nos templos maçônicos, a astronomia é representada por diversos
elementos simbólicos, como as Colunas Zodiacais, a Abóbada Celeste, o
movimento de rotação (giro destrocêntrico) e a linha imaginária do Equador, as
Colunas Solsticiaisː Coluna B (Trópico de Câncer) e Coluna J (Trópico de
Capricórnio).
Ao ingressar na maçonaria no Rito Escocês Antigo e Aceito, o recém-iniciado é
submetido a uma simulação de morte na Câmara de Reflexão e renasce na
primavera, assim como as sementes que germinam após o inverno. O termo
neófito, utilizado para se referir ao aprendiz que prestou juramento e recebeu a
Luz na sessão de iniciação, vem da junção das palavras gregas neo, que
significa novo, e phytos, que significa planta. O novo iniciado deve se sentar na
bancada da coluna norte, próxima ao lugar do primeiro vigilante (ver figura 3),
que é exatamente onde a constelação zodiacal de Áries marca a posição do
novo iniciado no Rito Escocês Antigo e Aceito. Isso ocorre porque, por volta de
2.166 a.C., quando o sol passava pela constelação de Áries no hemisfério norte,
todo esplendor da primavera era experimentada. O ponto vernal determina a
posição exata do neófito em um templo maçônico.
A relação da Astronomia e a moderna Maçonaria pode ser rastreado na
publicação espúria, mas de valor inestimável para a história da maçonaria: As
Três Batidas Distintas (The Three Distinct Knocks), o ritual dos antigos, publicado
em 1760. Na época de sua publicação, tinha uma clara finalidade de causar
estragos à reputação da Maçonaria, no entanto, hoje, é uma importante
referência bibliográfica. O ritual é uma das mais importantes publicações da
tradição maçônica inglesa, no texto de abertura, o local dos oficiais está
associado às três posições do sol: o Oriente para o Venerável, o Ocidente para
o Primeiro Vigilante e o Sul para o Segundo Vigilante.
Independente da origem exata da relação entre astronomia e a moderna
maçonaria, uma coisa é clara ao entrar em um templo maçônico do Rito Escocês
Antigo e Aceito: as referências astronômicas, como as constelações zodiacais e
os pontos solsticiais e equinociais, não são meras histórias supersticiosas.
Foram definidas como um sistema de coordenadas celestes para fins de
acompanhamento e cronometragem no drama de ressurreição e morte do
iniciado, baseado nas mudanças das estações do ano. O Rito Escocês Antigo e
Aceito é um rito solar. A luz do Sol sempre foi interpretada como símbolo para a
sabedoria. Ele representa o processo de aperfeiçoamento pelo qual passa o
iniciado, assim como a natureza que segue seu ciclo de vida e morte,
renascendo na luz após a morte.
Apenas nos últimos séculos, ficou claro que as estrelas são como nosso próprio
Sol, só que localizadas a enormes distâncias. O Sol é o coração do nosso
sistema solar, nenhum símbolo marcou tanto a humanidade como ele. Cedo, os
homens perceberam que o sol era condição indispensável para a existência e
manutenção da vida.
Muitas vezes nos referimos ao Universo como algo distante. Nós estamos no
Universo, somos parte dele, desde as menores partículas até as maiores
galáxias que conhecemos. O Universo está dentro de nós, o nitrogênio em nosso
DNA, o cálcio em nossos dentes, o ferro em nosso sangue, o Carbono, o
Oxigênio, que são fundamentais para a nossa sobrevivência, foram sintetizados
no interior de estrelas que já morreram. Somos filhos das estrelas! A história
da astronomia trata do nascimento do conhecimento e da ignorância, quanto
mais aprendemos, melhor dimensionamos nossas limitações diante da vastidão
do universo.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
1. Rooney, Anne, A História da Astronomia: Dos planetas e estrela
aos pulsares e buracos negros, São Paulo, M.Books do Brasil
Editora Ltda., 2018.
2. Ridpath, Ian, Eyewitness Companion: Astronomy, São Paulo,
Jorge Zahar Editor Ltda., 2007.
3. Verma, Surendra, The Little Book of Scientific Principles, Theories
e Things, Australia, Editor Gutenberg, 2005.
4. Clark, Stuart, How the stars have shaped the History of Humankind,
São Paulo, Universo dos Livros, 2020.
5. Gleiser, Marcelo, A dança do Universo, São Paulo, Companhia de
Bolso, 2020.
6. Gleiser, Marcelo, O Fim da Terra e do Céu, São Paulo, Companhia
de Bolso, 2015.
7. Sagan, Carl, Cosmos, São Paulo, Companhia das letras, 2017.
8. Weinberg, Steven, Para Explicar o Mundo, São Paulo, Companhia
das letras, 2015.
9. Carr, Harry, O ofício do maçom, São Paulo, Madras, 2022.
10.Desconhecido, Três Batidas Distintas, Tradução Leo Bloom, 1760.
11.Juk, Pedro, Exegese Simbólica para o Aprendiz Maçom, tomo l,
Londrina - PR, Editora Maçônica A TROLHA Ltda., 2007.
12.Desconhecido, Três Batidas Distintas, Tradução Leo Bloom,
13.Preston, William, O Mistério das Três Batidas Distintas, Adaptação
e Tradução Luciano Rodrigues, 2019.
14.Luria, Adam, O Passado Através dos Céus, 2021.