A Língua Geral Paulista, ou Língua Geral Meridional foi o idioma nativo dos paulistas por mais de dois séculos e foi a Lingua Franca dos territórios conquistados e ocupados pelos paulistas mais do que o próprio português, falado desde o norte do Rio Grande do Sul a Goiás, de Minas Gerais ao Mato Grosso, disseminada principalmente por bandeirantes nos interiores do Brasil e posteriormente por tropeiros.
Desde a chegada de João Ramalho até por volta da metade do séc. XVII, os paulistas falavam o Tupi Vicentino, que era diferente do tupi do resto do Brasil em diversos aspectos, e se aproximava bastante do Guarani em termos fonéticos e lexicais. Mas a partir de meados do séc. XVII, esse Tupi Vicentino falado pelos paulistas já tinha passado por mudanças fonéticas, semânticas e sintáxicas, transformando-se no que chamamos hoje de Língua Geral Paulista, e foi falado em São Paulo até a primeira década do séc. XX, em que há relatos de que alguns idosos que ainda conversavam nesse nosso idioma.
Da segunda metade do séc. XVII até o fim do séc. XVIII, a Língua Paulista era falada como primeira língua pela imensa maioria da população paulista. As mulheres, as crianças e os escravos só sabiam falar nessa língua, já os filhos homens de pais que possuíam meios aprendiam depois o português na escola.
Pode-se dizer que a Língua Paulista era a 'língua da mulher paulista' -- essa admirável e amada fortaleza que foi o verdadeiro esteio e fundamento da Nação Paulista desde Bartira --, pois era ela quem passava o nosso idioma para os filhos e que cuidava dos negócios da família, servindo de suporte inquebrantável para os nossos bandeirantes que passavam dias, meses e anos no sertão. Ainda se há de dar o verdadeiro reconhecimento à mulher paulista, que em nada foi menor que nossos bandeirantes e tropeiros. Podemos dizer que elas foram ainda maiores mais longe.
Para se ter uma ideia da importância do nosso idioma para o povo paulista da época, em 1770 ocorreu em São Paulo, na Igreja do Páteo do Colégio, a "Acadêmia dos Felizes", convocada pelo Governador Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão (o Morgado de Mateus) para comemorar a recém readquirida autonomia administrativa da Capitania de São Paulo. A "Academia dos Felizes" era uma espécie de festival literário organizado pelos moradores e autoridades de uma localidade, no qual figuras ilustres apresentavam seus poemas preparados especialmente para a ocasião, e já havia ocorrido eventos da "Academia dos Felizes" no Nordeste e no Rio de Janeiro, décadas antes do evento paulista. Nos eventos do Nordeste e do Rio, assim como aconteceu no de São Paulo, foram apresentadas obras em português, castelhano, francês, italiano, latim e grego. Mas somente no evento paulista foram apresentadas obras em "idioma de caboclo", isto é, no nosso idioma paulista, que hoje os linguistas chamam de Língua Geral Paulista.
Talvez, a apresentação de obras na nossa língua nativa por ocasião desse evento tenha sido um tipo de protesto, já que alguns anos antes o Marquês de Pombal havia proibido o uso da Língua Geral Paulista (em 1760). Seja como for, o fato é que ele conseguiu, e essa proibição fez com que a nossa língua fosse deixando de ser falada em favor do português, e o que antes era o idioma geral dos paulistas foi ficando cada vez mais restrito às camadas mais simples da população. Embora tenha continuado a ser falada por todo o séc. XIX, mesmo que por um número cada vez menor de paulistas, a proibição impediu que a nossa língua pátria se tornasse uma língua escrita, com ortografia e um cânone literário próprios, até que morreu no começo do séc. XX.
O resultado da fonética da Lingua Geral Paulista sobreviveu no dialeto caipira, a troca do L pelo R onde "falta" vira "farta", onde "milho" vira "mio", além da presença do R retroflexo(caipira) presente na nossa língua hoje, esse é o resultado da troca da Língua Paulista para o Português, e onde diversas palavras dessa língua ainda sobrevivem em nomes e palavras como: emboaba, embira, tucuruvi, guarapuava, anhangabaú, tietê, caipira, caiçara, caipora, arimbá, curupira, batuíra, cabreúva, sorocaba, piracicaba e etc.
Em comparação com o Nheengatu amazônico de hoje em dia, a Língua Paulista manteve uma maior fidelidade à língua que foi sua mãe: o Tupi Vicentino, mas quem fala Nheengatu Amazônico pode perceber claramente que a Língua Paulista vem de uma variante do tupi, mas não seriam mutuamente inteligíveis. As palavras da Língua Paulista são ainda mais próximas do Guarani, mas ainda assim não seriam de fácil inteligibilidade mútua.
A seguir um pouco da Língua Geral Paulista em frases curtas corriqueiras e um pequeníssimo vocabulário de palavras atestadas (que estão nos registros da Língua Paulista que chegaram até nossa época).
A ortografia portuguesa não permite indicar as diversas sutilezas fonéticas da pronúncia da língua paulista, mas serve como uma excelente aproximação.
VOCABULÁRIO EM LÍNGUA PAULISTA:
Maranteím ereicô? --> Como está?
Aicô catu --> Estou bem
Daicôi catu --> Não estou bem
Maranteím oicô? --> Como ele(s)/ela(s) está/estão?
Maranteím peicô? --> Como vocês estão?
Chaçô muã --> Já me vou!/tchau! (despedida)
Tupã nê irúnamo --> Vá com Deus!
Tupã --> Deus (O Deus cristão; na língua geral paulista essa palavra não
designava mais o deus tupã dos índios)
Tupã-róca --> igreja
Nhandeiára --> Nosso Senhor (Jesus)
Tupã-Sú --> Mãe de Deus (Nossa Senhora, Virgem Maria)
Tupã recê! --> 'Por Deus!', 'Pelo amor de Deus!'
Iquãe! --> Vá!
Iquãe umêm! --> Não vá!
Tenhê! --> 'Deixa pra lá!' ou 'Que seja!'
Tenhê-tenhê --> devagar
Iorí! --> Venha!
Iorí umêm! --> Não venha!
Enheêm! --> Fala!
Enheêm umêm! --> Não fale!
Enheêm tenhê-tenhê! --> Fale devagar!
Emeêm! --> Dá!
Emeêm xêvo! --> Dá pra mim!
Ameêm dêvo --> eu dou pra você
Eêm --> sim
Naâni --> não
Tecovê --> vida
Teõ --> morte
Toruva --> alegria/felicidade
Xe roru --> Estou feliz/alegre
Da xe rorúi --> Não estou feliz/alegre
Dê roru --> você está alegre/feliz (todas as frases servem também para
pergunta: dê roru?)
Nã dê rorúi --> você não está alegre/feliz
I rorú --> ele/ela está alegre/feliz, eles/elas estão alegres/felizes
Di rorúi --> ele/ela não está alegre/feliz, eles/elas não estão alegres/felizes
Porauçuva --> tristeza
Xe porauçu --> estou triste/infeliz
Da xe porauçúi --> não estou triste/infeliz
Dê porauçu --> você está triste/infeliz
Nã dê porauçúi --> você não está triste/infeliz
I porauçu --> ele/ela está triste/infeliz, eles/elas estão tristes/infelizes
Di porauçúi --> ele/ela está triste/infeliz, eles/elas não estão tristes/infelizes
Tauçuva --> amor
Oroauçu! --> Te amo!
Doroauçúi --> não te amo
Açauçu. --> eu o/a amo
Daçauçúi --> não o/a amo
Opoauçu --> amo vocês
Dopoauçúi --> não amo vocês
Dê xe rauçu --> você me ama
Pê xe rauçu --> vocês me amam
Xe rauçu --> ele(s)/ela(s) me ama(m)
Açauçu xe retama --> amo minha terra/pátria
Mendara --> casamento, casado(a)
Mendareúma --> solteiro(a)
Amendá-potá --> quero me casar
Amendá-potá derí --> quero me casar com você
Namendá-potári derí --> não quero me casar com você
Eremendá-potá xerí? --> quer se casar comigo?
Xe momorã --> Me agrada/gosto
Nã xe momorã --> Não me agrada/não gosto
Nê momorã --> te agrada/você gosta
Nã nê momorã --> não te agrada/você não gosta
I momorã --> o agrada/ele gosta
Ni momorã --> não o agrada/ele(a) não gosta
Biú --> comida
Ú --> água
Cô --> este(a)/estes(as)
Qüê/Uím --> aquele(a)/aqueles(as)
Xe momorã cô biú --> me agrada esta comida/gosto desta comida
Nã xe momorã cô biú --> não me agrada esta comida/não gosto desta
comida
Xe momorã qüê/uím biú --> me agrada aquela comida/gosto aquela comida
Nã xe momorã qüê/uím biú --> não me agrada aquela comida/não gosto
aquela comida
Nheengara --> música
Xe momorã cô nheengara --> eu gosto dessa música
Poramotareúma --> ódio
Oroamotareúm --> te odeio
Noroamotareúm --> não te odeio
Anhamotareúm --> odeio ele(s)/ela(s)
Nanhamotareúm --> não odeio ele(s)/ela(s)
Opoamotareúm --> odeio vocês
Nopoamotareúm --> não odeio vocês
Dê xe amotareúm --> você me odeia
Pê xe amotareúm --> vocês me odeiam
Xe amotareúm --> ele(s)/ela(s) me odeia(m)
Taçuva --> dor
Xe raçu --> estou com dor
Da xe raçúi --> não estou com dor
Dê raçu --> você está com dor
Nã dê raçúi --> você não está com dor
Tacuva --> calor/quentura
Xe racu --> estou com calor
Da xe racúi --> não estou com calor
Dê racu --> você está com calor
Nã dê racúi --> você não está com calor
Sacú --> está quente, está calor
Da sacúi --> não está quente, não está calor
Roú --> frio; também significa 'ano'
Xe roú --> estou com frio
Da xe roúi --> não estou com frio
Dê roú --> você está com frio
Nã dê roúi --> você não está com frio
I roú --> está frio
Di roúi --> não está frio
Itayú --> dinheiro
Arecô itayú --> tenho dinheiro
Darecôi itayú --> não tenho dinheiro
Itayuetê --> muito dinheiro, caro
Itayú merim --> pouco dinheiro, barato
Ixê --> eu
Indê --> você/tu
Aê --> ele/ela, e também eles/elas; serve para todas as 3ª pessoas singular
e plural
Nhandê --> nós
Peêm --> vocês/vós
Porangava --> beleza
Xe porã --> sou bonito(a)/belo(a)
Nã xe porã --> não sou belo(a)/bonito(a)
Nê porã --> você é bonito(a)/belo(a)
Nã nê porã --> você não é bonito(a)/belo(a)
I porã --> É bonito(a)/belo(a)
Ni porã --> Não é bonito(a)/belo(a)
Catu/catusava --> o bem, bondade
Xe catu --> sou bom/boa
Da xe catúi --> não sou bom/boa
Dê catu --> você é bom/boa
Nã dê catúi --> você não é bom/boa
I catu --> é/está bom/boa/bem
Di catúi --> Não é/está bom/boa/bem
Aíva --> maldade, ruindade
Xe aí --> sou mau/ruim
Da xe aí --> não sou mau/ruim
Dê aí --> você é mau/ruim
Nã dê aí --> você não é mau/ruim
I aí --> é mau/ruim, são maus/ruins
Di aí --> não é mau/ruim, não são maus/ruins
Aipotá --> quero, desejo. Também significa 'concordo' e 'permito'
Daipotári --> não quero, não desejo, não concordo, não permito
Ambaê upotá --> quero comer
Nambaê upotári --> não quero comer
A upotá ú --> quero beber água
Da upotári ú --> não quero beber água
Acaú --> bebo (bebida alcoólica)
Dacaúi --> não bebo (bebida alcoólica)
Acaú potá --> quero beber (bebida alcoólica)
Dacaú potári --> não quero beber (bebida alcoólica)
Erecaú te? você bebe (bebida alcoólica)?
Aicuá --> eu sei
Daicuái --> não sei
Ereicuá --> você sabe
Dereicuái --> você não sabe
Oicuá --> ele sabe
Doicuái --> ele(s)/ela(s) não sabem
Tchinga --> branco (também 'morotchinga')
I tchim --> é branco
Ni tchim --> não é branco
Moruna --> preto
Sum --> é preto
Nã sum --> não é preto
Piranga --> vermelho
I pirã --> é vermelho
Ni pirã --> não é vermelho
Tovú --> azul
Sovú --> é azul
Da sovúi --> não é azul
Iúva --> amarelo
I iú --> é amarelo
Di iúi --> não é amarelo
Uaraçú --> sol
Iaçú --> lua
Iaçutatá --> estrela
Uaçú --> rio
Paranã --> mar
Iauara --> cachorro
Maracaiá mirim --> gato/gatinho
Uramirim --> passarinho
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