Para mostrar que, apesar dessas normas, não há absolutamente nenhuma incompatibilidade entre a Igreja e a maçonaria, os folhetos de propaganda maçônica trazem infalivelmente este argumento: até bispos, padres e frades entraram na maçonaria. E citam o conde de Irajá, bispo do Rio de Janeiro; Dom José Joaquim de Azeredo Coutinho, bispo de Olinda, que eram maçons; Cônego Januário, Frei Caneca, Frei Sampaio, Frei Montalverne e outros que entraram na maçonaria.
Não é preciso negar esse fato. Mas importa explicá-los no seu contexto histórico. Por que eles entraram na maçonaria? Quais intuitos levaram a maçonaria a aliciar para suas fileiras bispos e padres? E, sobretudo, é preciso ver que tipo de padres ela conseguiu atrair.
Todos os nomes dos bispos, padres e frades por eles citados são geralmente do início do século passado, quando, em muitos meios políticos, predominava a idéia da Independência do Brasil. A própria maçonaria de então foi fundada no Brasil com finalidades pronunciadamente políticas. Algumas lojas de Pernambuco foram fundadas por padres, como a loja ou academia Areópago, fundada pelo carmelita Arruda Câmera, em 1801; a Loja do Paraíso ou Loja Suassuna, fundada pelo padre João Ribeiro. Ora, esses frades ou padres quase nada sabiam ou não se interessavam pelas doutrinas maçônicas; o que queriam eram ambientes secretos onde discutir suas ideologias liberais ou idéias revolucionárias. As lojas de Pernambuco e da Bahia, lá pelo anos 1810, como também as do Rio, pelo anos de 1820, eram de fato centros políticos, que “tramavam” a independência. Até as publicações maçônicas insistem neste particular. O maçom Adelino Figueiredo Lima, no seu livro Nos Bastidores do Mistério (Rio, 1954, p. 137), ao falar da fundação do Grande Oriente, escreve: “E encerrou-se a sessão sob o juramento solene de que a nova potência maçônica independente tinha um fim específico a cumprir: fazer a independência do Brasil“. E não faltaram então padres e frades patriotas e políticos que alimentavam o mesmo ideal. Aliás, a Revolução de 1817 não é conhecida como a revolução de maçons, mas como a revolução dos padres.
Além disso, Frei Caneca, Frei Sampaio, Cônego Januário e outros foram, talvez, excelentes patriotas e hábeis políticos, mas não se pode por isso dizer que fossem também sacerdotes disciplinados e religiosos exemplares. Identificam-se os ideais políticos desses padres com os ideais políticos da maçonaria de então, que, ao menos no Brasil, ainda não manifestara provas de anticlericalismo. E, para conseguir a independência, conjugaram suas forças. Não como sacerdotes, mas como políticos, apesar de sacerdotes, tornaram-se maçons.
Convém notar que entre o bispo Azeredo Coutinho (1802) e D. Marques Perdigão (1830) a diocese de Olinda esteve praticamente acéfala durante 30 anos. O 13º bispo de Olinda, D. Frei José da Santa Escolástica, eleito em 1802, não veio a Pernambuco, o 14º bispo, D. Frei José Maria de Araújo, eleito em 1804, só chegou a Pernambuco em dezembro de 1807, para falecer logo em seguida. O 15º bispo, D. Frei Antônio de São José Bastos, eleito em 1810, nunca veio a Pernambuco, morrendo em 1819 no Rio, sem conhecer a sua diocese; o 16º bispo, D. Frei Gregório José Veigas, eleito em 1820, não chegou a tomar posse da diocese, morrendo em Lisboa; o 17º bispo, D. Tomás de Noronha, eleito em 1823, só foi confirmado bispo de Olinda em maio de 1828, resignando em agosto do ano seguinte, entregando o bispado ao cabido. O 18º bispo, D. João da Purificação Marques Perdigão, eleito em 1829 e confirmado em 1831, encontrou a diocese num estado deplorável.
Durante 30 anos sem bispo, clero e religiosos estavam habituados à anarquia. Esse período foi a época das revoluções, revoluções de padres, em grande parte ordenados fora da diocese e não encardinados. Alguns deles, como o célebre Pe. Roma, cujo nome real era José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, nascido no Recife, que professou entre os frades carmelitas de Goiana, de onde fugiu para Portugal e depois para Roma, onde diz que foi ordenado pessoalmente pelo Papa Pio VII, retomou ao Recife onde teve dois filhos, foi enviado pelo governo provisório de 1817 à Bahia para levantar o povo em favor da causa revolucionária, e foi fuzilado na Praça da Pólvora na Bahia.
O autor de Os Mártires Pernambucanos o classifica como apóstata (G. Vilar de Carvalho, A liderança do clero nas revoluções republicanas – 1817-1824, p. 76.) Mas historiadores de grande peso, como E. Vi1hena de Moraes, põem em dúvida seu caráter sacerdotal, afirmando que “nem sequer se sabe ao certo se chegou realmente ao presbiterado” (O Patriotismo e o Clero no Brasil, Rio, 1929, p. 24). De fato, não foi encontrado nenhum documento que ateste sua ordenação. Essa era a situação do clero secular e regular na época das revoluções pernambucanas.
Quando D. João da Purificação Marques Perdigão chegou a Olinda, todo o país, de sul a norte, estava envolto nas revoluções e insurreições ocorridas no período das Regências Trinas de 1831 a 1835, que no Norte receberam o nome de Guerra dos Cabanos ou Cabanada. Foi a intervenção enérgica e pacificadora do bispo de Olinda, D. Perdigão, que, por meio de suas pastorais, em que fazia importantes exortações ao clero e aos fiéis, procurando convencer os litigantes de que deviam iniciar um período de paz, que logrou pôr termo à Cabanada, em 1835.
Convém notar ainda que nessa época e até mesmo durante todo o Império, os padres e políticos não se sentiam adstritos, em consciência, às leis da Santa Sé, que condenavam e interditavam a maçonaria, visto que o regalismo reinante na época se negava a dar-lhes seu “necessário” Beneplácito, para obterem força de lei.
Além disso, nesses inícios, a maçonaria incipiente não se tinha ainda inserido nas estruturas do poder e não se tinha revelado anticlerical. Foi somente durante o Segundo Império que ela logrou o poder ministerial e militar. Quase todos os Ministros e Governadores de Estados foram copiados pela maçonaria. Mais ainda, a maçonaria tinha-se infiltrado em quase todas as confrarias e irmandades da Igreja e pretendia dominar o próprio poder eclesial. Em Olinda, o próprio Deão, Joaquim Francisco de Faria, Vigário Capitular que, em duas vacâncias, tinha sido governador da Diocese, teve de ser suspenso pelo bispo por causa da sua recusa em desligar-se da maçonaria.
Revoltado, ele liberou, como vimos, a insurreição dos maçons contra os jesuítas, cujo colégio foi assaltado e destruído; contra o jornal católico “União”, cuja tipografia foi destroçada, e contra a residência do bispo, que só não foi invadida porque na última hora surgiu uma proteção policial.
Fonte: https://bibliot3ca.com