novembro 15, 2024

A MAÇONARIA E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA - Michael Winetzki




De modo diferente do que ocorreu na Independência do Brasil e na Lei Áurea, que foram processos conduzidos com importante participação da maçonaria, a Proclamação da República, embora tenha tido a participação de maçons, não foi um evento patrocinado pela Ordem, mas por uma reunião de forças vivas, políticas, econômicas e religiosas.


Havia também irmãos monarquistas, ricos e nobres, opondo-se às ideias republicanas, mas talvez a principal razão para deflagrar o movimento tenha sido a bela senhora Maria Adelaide de Andrade Neves Meireles, filha do Barão de Triunfo e por quem Deodoro da Fonseca havia se apaixonado, quando comandava a tropa no RS, embora fosse casado. A viúva Maria Adelaide preferiu ficar com o político gaúcho Gaspar Silveira Martins, e isso criou uma inimizade feroz e permanente entre ambos que seria cristalizada na Proclamação da República. Não foi a primeira, nem será a última vez que o amor por uma mulher decide o destino de uma nação.


Os ideais republicanos vicejavam na Europa há pelo menos um século e eram trazidos pelos brasileiros que estudavam em Portugal, na França e na Inglaterra. Com a finalidade de lutar pela independência a Loja Comércio e Artes se dividiu em três e em junho de 1822 criou o Grande Oriente Brasílico, a primeira obediência maçônica.


Com o retorno de D. Pedro I a Portugal, a luta da maçonaria passou a ser a antecipação da maioridade de D. Pedro II, para evitar o caos político da nação que poderia resultar na formação de muitos estados independentes, como aconteceu em toda a América Latina, mas a partir da consolidação da monarquia se estabeleceram duas correntes políticas, conservadores e liberais, monarquistas e republicanos, e em ambas atuavam ilustres maçons.


Eclodiram movimentos separatistas por todo o país, fundamentados em ideias republicanas. O governo imperial combatia esses movimentos, muitos deles organizados por maçons e também combatidos por maçons. Assim foi com a Guerra dos Mascates em 1710, com a Inconfidência Mineira em 1788, com a Revolução Pernambucana de 1817, com a Confederação do Equador em 1824, com a Sabinada em 1837 e a Revolução Farroupilha de 1835 liderada pelos maçons Bento Gonçalves e Davi Canabarro. Em 1842 o maçom Caxias combateria o também maçom Padre Diogo Antônio Feijó, que liderava uma revolução em S. Paulo apesar de ter sido regente de D. Pedro II.


Três eventos foram determinantes para a queda do Império: a Guerra do Paraguai e a revolta dos militares, a Questão Religiosa e a Abolição da escravatura.

 

A revolta dos militares

Em 1870 a Tríplice Aliança vencia a Guerra do Paraguai que matou cerca de 480.000 pessoas, sendo mais de 300.000 paraguaios. O exército vitorioso retornou com grande força política, mas foi calado pela aristocracia imperial. O imperador proibiu a manifestação pública das opiniões dos militares.


A punição do Ten. Cel. Sena Madureira, que era amigo do Imperador, por ter discutido com o Ministro da Guerra que era um civil, criou uma corrente de protestos nas Forças Armadas e levantou a Questão Militar, que acabou incluindo a reivindicação por melhores salários e equipamentos mais modernos e o ideário positivista que levava à reivindicação de um Estado laico e republicano e da escolha de um governante que conduzisse o país atendendo às reivindicações populares.


Na Escola Militar o Professor Tenente Coronel Benjamin Constant, maçom e positivista, que era adorado pelos oficiais mais jovens, incutiu as ideias republicanas na oficialidade.


A questão religiosa

Também na década de 1870, finda a Guerra do Paraguai, com o exército lutando por uma fatia de poder, outra grave crise afeta o Império. Foi o enfrentamento entre a Igreja Católica e a Maçonaria que acabou-se tornando uma questão política e uma queda de braços entre o Imperador e a Igreja.


Na época, associações, civis ou religiosas, eram autorizadas e regidas pelo governo. Dois bispos ultraconservadores, Dom Vital de Oliveira de Olinda e Dom Macedo Costa do Pará, interditaram as irmandades que funcionavam legalmente porque tinham membros maçons. Os dois Grandes Orientes na época se uniram contra a ação da Igreja e os seus Grão-Mestres, Visconde do Rio Branco e Saldanha Marinho protestaram publicamente e também no Legislativo, onde maçons tinham forte presença. O Imperador se sentiu afrontado com a atitude dos religiosos, que desrespeitaram a Constituição e desafiavam a sua autoridade e mandou que levantassem os interditos. Ao se negarem a fazê-lo os bispos foram presos e condenados a trabalhos forçados.


Embora até aquele momento a Igreja conservadora fosse um dos esteios do Império, responsável por grande parte das instituições de educação e saúde, a crise tomou grandes proporções e D. Pedro II teve comprometido o apoio que as autoridades religiosas lhe proporcionaram. D. Pedro II não era maçom e não tinha simpatia especial pela Ordem, mas no Governo havia maçons em altos cargos que devem tê-lo aconselhado nesta atitude. Ao confrontar a Igreja e perder o seu apoio o Império enfraqueceu ainda mais.


A abolição da escravatura

Na mesma época uma outra questão estava sendo discutida nas Lojas Maçônicas e nas reuniões políticas, a fim da escravidão. Na maçonaria o ideal da Abolição caminhava ao lado da campanha republicana, conduzida por uma geração de jovens e brilhantes maçons e intelectuais como José do Patrocínio, Saldanha Marinho, Quintino Bocaiúva, Luiz Gama, Castro Alves e outros, sem títulos de nobreza, mas com grande prestígio popular.


A maçonaria defende nas Lojas as leis antiescravistas como a lei do Ventre Livre de 1871, a dos Sexagenários de 1885 e finalmente a Lei Áurea de 1888, cujo texto foi redigido por José do Patrocínio e assinado pela Princesa Isabel. Diversas Lojas como a Vigilância e Fé, de São Borja – RS, Loja Independência e Regeneração III, ambas de Campinas – SP, aprovaram e difundiram um manifesto contrário ao Terceiro Reinado e a favor da abolição. Outras lojas como a Perseverança III de Sorocaba realizaram coletas para adquirir cartas de alforria para escravos.


Em 1870 Joaquim Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva fundaram o Partido Republicano e publicaram o Manifesto Republicano que criticava a centralização do poder na monarquia e exigia um modelo federalista no Brasil com autonomia às províncias; responsabilizava a monarquia pelos problemas do país e indicava a república como a solução. Bocaiúva era editor do jornal A República e realizava reuniões cujo tema era a derrubada do Império. Três anos depois, na cidade paulista de Itu, a maçonaria iria organizar a Convenção Republicana.


A rica elite econômica, os abastados fazendeiros de São Paulo e Minas Gerais, se opunham à libertação dos escravos, cuja mão de obra era a razão de sua fortuna e tinham interesse na manutenção do estado de coisas como era com a monarquia. Entre eles também havia maçons, mas os interesses econômicos se sobrepunham ao ideário maçônico. Esses membros da elite e da nobreza participavam do partido conservador, monarquista, e combatiam com ferocidade as ideias liberais.


Em 1882 a maçonaria estava novamente agrupada em uma única obediência, o Grande Oriente, e embora seu Grão-Mestre, Vieira da Silva, fosse monarquista e leal ao imperador, o assunto da Proclamação da República fervilhava nas Lojas.


No dia 10 de novembro de 1889 Benjamim Constant, que já havia convertido a maior parte da oficialidade jovem do exército para a causa republicana e positivista, convoca para uma reunião na sua casa os irmãos Campos Sales, Prudente de Moraes, Silva Jardim, Rangel Pestana, Francisco Glicério, Ubaldino do Amaral, Aristides Lobo e Bernardino de Campos.  Nessa reunião decidem a queda do Império. Deodoro foi informado de que a intenção da reunião era apenas a derrubada do gabinete chefiado pelo Visconde Ouro Preto.


Sem a ação da tropa isso não seria possível e Benjamin Constant é designado para convencer Deodoro da Fonseca, a mais alta patente militar do Império a liderar o movimento. Missão difícil porque Deodoro era amigo leal e afeiçoado ao Imperador. Constant informa a Deodoro que o movimento era apenas para derrubar o gabinete do Primeiro Ministro. O Marechal se põe à frente da tropa e em 15 de novembro prende o Visconde de Ouro Preto. Dá vivas a D. Pedro II e voltou para casa, de onde havia saído, adoentado, para o Campo de Santana.


Sob o argumento levado por Constant (era mentira) de que o Imperador iria nomear para o cargo de primeiro-ministro a Silveira Martins, o seu inimigo pessoal e político, antigo rival no amor da gentil senhora Maria Adelaide, Deodoro revoltado assume a liderança do movimento e Floriano Peixoto assina um documento extinguindo a monarquia e proclamando a República.


Mas a reunião das tropas no quartel-general Campo de Santana não formalizou a República. Isto veio a acontecer numa reunião extraordinária convocada às pressas na Câmara Municipal, quando o vereador José do Patrocínio leu o documento da Proclamação da República, e o povo nas imediações passava a comemorar cantando nas ruas o hino francês “A Marselhesa”.


No mesmo dia 15/11 o editorial da Gazeta da Tarde publicava:

A partir de hoje, 15 de novembro de 1889, o Brasil entra em nova fase, pois pode-se considerar finda a Monarquia, passando a regime francamente democrático com todas as consequências da Liberdade.


No Palácio o Conde D’Eu, genro do Imperador e militar de carreira, e o Engenheiro André Rebouças tentaram convencer D. Pedro II a autorizar um movimento de resistência, que possivelmente teria êxito, uma vez que o mandatário era idolatrado pelo povo, mas custaria muito sangue derramado. Seu sentimento era de que não valia a pena o sacrifício de tantas pessoas. Idoso, doente e alquebrado, assim como sua esposa que veio a falecer decorrido um mês e recebendo a notícia em casa redige uma resposta:

“À vista da representação escrita que me foi entregue hoje, às 3 horas da tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir, com toda a minha família, para a Europa, deixando esta Pátria, de nós tão estremecida, à qual me esforcei por dar constantes testemunhos de entranhado amor e dedicação, durante mais de meio século em que desempenhei o cargo de chefe de Estado. Ausentando-me, pois, com todas as pessoas da minha família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo os mais ardentes votos por sua grandeza e prosperidade.”


Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1889 D. Pedro de Alcântara.


Estava proclamada a República e o maior, mais admirado e mais culto estadista que o Brasil já conheceu foi exilado para morrer num modesto quarto de hotel em Paris, tendo por travesseiro um saquinho de terra de sua Pátria e deixando aos brasileiros a memória de mais de meio século de governo quando o Brasil foi um dos países mais respeitados e admirados do mundo.











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