Em 16/11/2018 o Respeitável Irmão Paulo Guebert, Loja Obreiros da Paz, 2.909, REAA, GOB-PR, Oriente de Curitiba, Estado do Paraná, formula a seguinte questão:
"Estou fazendo um trabalho sobre o Terno Preto na Maçonaria, gostaria de saber mais informações sobre o tema."
CONSIDERAÇÕES:
Em que pese as mais estapafúrdias interpretações e afirmativas temerárias que já se deu sobre o terno preto (inclusive o de credos pessoais) na Maçonaria, aborda-lo como “traje maçônico” é o mesmo que o “chover no molhado”.
Não obstante se saber que a indumentária maçônica vem sofrendo variantes ao longo dos tempos, no meu entender não há como se estereotipar o modo do se vestir maçônico, pois a maneira de se trajar também varia entre as populações resultando numa transformação de povo para povo.
No passado, a exemplo de homens do século XVIII, esses usavam vestimentas bordadas, de cinturas marcadas e adornadas com laços vistosos. Utilizavam inclusive perucas e assim se apresentavam - se maçons - para os trabalhos maçônicos, entretanto nunca despidos dos seus aventais.
É imperativo mencionar que em muitas partes do mundo os maçons usam roupas típicas em sessões de Loja. Irmãos tripulantes de embarcações, por exemplo, se apresentam para sessões nos trabalhos maçônicos muitas vezes com seus uniformes de trabalho; do mesmo modo é comum se ver militares usando nos Templos o seu fardamento; Irmãos árabes, por exemplo, em Loja usando albornozes, enquanto que em países de clima quente veem-se maçons trabalhando nas Lojas em “manga de camisa” (vestindo camisa de mangas curtas); também é comum Irmãos na Escócia se apresentarem aos trabalhos trajando seus kilts.
Embora se tenha que seguir inquestionavelmente o que determinam os rituais em vigência, no que diz respeito ao traje, cabe, mesmo assim, mencionar que o verdadeiro traje maçônico é o avental. Nunca é demais expor que em Maçonaria, se um Irmão, ao se apresentar para uma sessão em Loja estiver sem o avental, ele será considerado “despido”, portanto estará impedido de ingressar nos trabalhos.
No rigor da tradição maçônica, a roupa que o Maçom está vestindo, desde que decentemente trajado, é o que menos importa, porém o avental é imprescindível.
A bem da verdade, aqui no Brasil, principalmente o terno preto, ou o parelho preto, com camisa branca, meias pretas e sapatos pretos é o traje de missa herdado da Igreja Católica nos períodos mais remotos da sua história colonial.
Sob um pretenso simbolismo para o terno preto, destaco o que citou o saudoso Irmão José Castellani in O Prumo, nº 101:
“Não há também, qualquer interpretação ou implicação de ordem esotérica referente à cor preta do traje dos Irmãos, mas, sim em relação ao avental nos três graus do simbolismo, não havendo, portanto, nenhuma implicação hermética ou metafísica. Qualquer que seja o traje, o maçom estará nu se estiver sem avental”.
Em síntese, a uniformidade indiscriminada para o traje do maçom nada mais é do que uma intransigência anacrônica que traz ainda grande dose de influência clerical. Em Maçonaria simbólica a cor preta pode ter o seu simbolismo apropriado na Câmara do Meio, mas isso não deveria se estender até o ponto de se uniformizar indiscriminadamente o vestuário do maçom como indicam muitos rituais e regulamentos.
A seguir o trecho de um texto resposta que eu dei a respeito do terno preto em março de 2014 e que fora publicado posteriormente no hoje extinto diário maçônico JB News do saudoso Irmão Jerônimo Borges. Acredito que esse conteúdo também pode servir para essas considerações:
“O uso do terno na maçonaria brasileira está enraizado nos costumes e sincretismo religioso, geralmente oriundo da Igreja Católica que dentre outros influenciou diretamente a Maçonaria com o traje de missa. Aliás, nesse particular tem-se dado mais valor ao molho do que à carne. O verdadeiro traje maçônico é o Avental. Além do que se chama equivocadamente de terno (três - calça, colete e paletó) o que se identifica mais como parelho (par – calça e paletó)”.
O trecho acima também menciona o uso do terno na Maçonaria brasileira e a sua relação com os costumes eclesiásticos.
Não obstante os comentários até aqui considerados, segue parte de um trabalho elaborado pelo Respeitável Irmão Marcos Sant’Anna, Ex Grande Mestre Bibliotecário da Grande Loja Maçônica do Estado de Alagoas:
“TRAJE MAÇÔNICO” (TERNO x BALANDRAU). Observamos primeiramente que “Traje” significa “Vestuário habitual; vestuário próprio de uma profissão ou atividade; vestes.” Como o traje em questão é o “maçônico”, dependendo da Potência, encontramos uma regularização para esta vestimenta no Regulamento Geral e/ou nos Rituais. Em geral, é estabelecido que o “Traje Maçônico” compreende “terno escuro (preto ou azul marinho), camisa branca, gravata preta, meias e sapatos pretos” ou Balandrau, em Sessões Econômicas. Tendo em mente que a Maçonaria Moderna (Sistema Obediencial) foi criada no séc. XVIII (1717) e pesquisando a origem de ambos os Trajes, verificamos que: O TERNO: Em uma rápida pesquisa na Internet, encontramos alguns dados interessantes, de um Trabalho bem mais longo e abrangente feito por Acadêmicos do Curso de Tecnologia do Vestuário da UNISEP (União de Ensino do Sudoeste do Paraná – www.unisep.edu.br). Segue alguns trechos: “Do final do século XIX ao início do século XX, para os homens, o traje aceito para todas as ocasiões formais ainda era a sobrecasaca e a cartola. Porém, o TERNO, usado com um chapéu homburg, era cada vez mais visto em LONDRES” (LAVER, 221)”. “... só a partir do final da 1º Guerra Mundial (1914 – 1918) que as roupas masculinas caminham em direção à informalidade. O terno passou a ser usado habitualmente e depois de 1922 ficou mais curto e não possuía abertura atrás e as calças passaram a ser extremamente largas onde se via apenas o bico dos sapatos.” “Todas essas mudanças instituíram para o homem o terno como traje formal e, a partir da década de 70, este passa a ter duas peças e não mais três. (VICENT-RICARD, 1989).” Observamos que, por definição, TERNO é um vestuário de três peças (calça, colete e paletó). Ao passar para duas peças (calça e paletó), ele muda sua característica e chama-se de DUQUE ou PARELHO. Como o processo foi gradativo, as Lojas de roupas e a população continuaram com o termo “Terno”, embora erradamente. Se procurarmos no dicionário Aurélio as palavras “DUQUE” encontraremos “vestuário masculino constituído por paletó e calça de igual fazenda e cor (usa-se geralmente o termo “terno”, embora de modo impróprio)” e “PARELHO” veremos “roupa de homem (calça e paletó)”. Como podemos ver na história deste vestuário, regulamentado como “traje maçônico”, não há nenhum respaldo histórico maçônico e nem tampouco é estabelecido seu uso pela Maçonaria Universal (...).
Concluindo o seu trabalho, após várias laudas, o Irmão Marcos Sant’Anna escreve:
Se colocarmos a palavra “Maçom” em um site de pesquisa, no link de “imagens”, encontraremos dezenas de milhares de fotos e gravuras. Encontraremos homens vestidos de fraque, terno, balandrau, camisas de manga cumprida e curta, sem chapéu, com chapéu, com cartola etc. A variedade é imensa, pelo mundo todo.
Só existe uma coisa em comum a todos estes homens que os faz ser identificados como Maçom; o AVENTAL MAÇÔNICO.
Esta é, verdadeiramente, a vestimenta universal que identifica um Maçom. Sem o AVENTAL, nós não o identificaríamos como tal.
É necessário que reflitamos profundamente sobre isto, em prol de uma maior harmonia entre os Irmãos, com maior integração fraterna e uma melhor operacionalização profana de nossos Aprendizes e Companheiros em sua senda ao mestrado.
O texto acima é precioso e ajuda a ratificar que simbolicamente o terno não é autêntico na liturgia maçônica e muito menos a sua cor generalizada ou formato de vestimenta. Muito menos o terno é um vetor que pode influenciar os trabalhos de aperfeiçoamento do homem – proposta primordial da Moderna Maçonaria.
Concluindo, acredito que essas considerações poderão ser úteis àqueles que se interessarem pelo tema, contudo não é a minha intenção tornar o assunto laudatório, pois embora não concorde com os apaixonados pelo terno como traje maçônico, antes me cabe respeitar as opiniões alheias. Nesse sentido, o leitor poderá pesar, utilizando a balança do bom senso, sobre o que verdadeiramente é mais qualificado, importante e adequado para uma Instituição como a Maçonaria que tem seus ensinamentos voltados para a razão, assim como para a autenticidade dos fatos.